Robert
Todd Carroll
Dicionário
do Cético
Busca no Dicionário
do Cético
|
|
|
teste dos borrões de Rorschach
O teste dos borrões de Rorschach é um teste
psicológico projetivo de personalidade, no qual são
analisadas as interpretações de uma pessoa para dez
desenhos abstratos, como uma forma de mensurar o
funcionamento e a integração emocional e intelectual. O
nome do teste vem de Hermann Rorschach (1884-1922), que
desenvolveu as manchas de tinta, embora não as
utilizassse para a análise da personalidade.
O teste é considerado "projetivo" porque
supõe-se que o paciente projete sua verdadeira
personalidade na mancha de tinta através da
interpretação. As manchas são entidades
propositalmente ambíguas e destituídas de estrutura. A
pessoa que as interpreta deve dar a elas uma estrutura
clara. Os que acreditam na eficácia desses testes acham
que estes são uma maneira de se alcançar os mais
profundos recônditos da psique ou da mente subconsciente
do paciente. Aqueles que aplicam tais testes
consideram-se peritos em interpretar as interpretações
de seus pacientes.
Quais as provas de que uma interpretação de um
borrão de tinta (ou de um desenho, ou uma amostra de
caligrafia -- outros itens usados em testes projetivos)
origine-se de uma parte do eu que revela
sentimentos verdadeiros, em lugar de, digamos, expressão
criativa? Que justificativa há para que se assuma que
uma dada interpretação de um borrão não venha de uma
parte do eu empenhada em enganar os outros, ou
em se auto-enganar? Mesmo se as interpretações venham
de uma parte do eu que expresse desejos, há uma
distância muito grande entre ter desejos e ter cometido
ações. Por exemplo, uma interpretação pode
inequivocamente expressar o desejo de ter relações
sexuais com o terapeuta, mas isso não implica em que
paciente tenha feito sexo com ele, ou que o paciente,
havendo uma oportunidade, concordaria em fazer sexo com
ele.
O teste de Rorschah é inerentemente problemático.
Para que sejam realmente projetivos, os borrões têm de
ser considerados ambíguos e desprovidos de estrutura
pelo terapeuta. Logo, este não pode fazer referências
ao borrão na interpretação das respostas do paciente,
caso contrário as projeções do terapeuta teriam de ser
levadas em consideração por uma pessoa independente. A
terceira pessoa então teria de ser interpretada por uma
quarta, ad infinitum. Assim, o terapeuta precisa
interpretar a interpretação do paciente sem fazer
referência ao que está sendo interpretado. Claramente,
o borrão se torna um item supérfluo. Pedir ao paciente
que interpretasse manchas na parede ou no piso faria o
mesmo efeito. Em outras palavras, a interpretação tem
de ser examinada como se fosse uma história ou sonho sem
nenhuma referência específica no mundo real. Mesmo
assim, no fim das contas, o terapeuta tem que fazer um
julgamento sobre a interpretaçao, ou seja, interpretar a
interpretação. Mas, mais uma vez, quem irá interpretar
a interpretação do terapeuta? Outro terapeuta? Então
quem interpretará a dele? etc.
A fim de evitar o problema lógico de se ter um
padrão para um padrão para um padrão, etc., os experts
inventaram interpretações padronizadas de
interpretações. Por exemplo, o fato de um paciente
atentar apenas para uma pequena parte do borrão é
"indicativo de personalidade obsessiva;"
enquanto que o fato de alguém ver figuras meio-humanas,
meio-animais indica que a pessoa é alienada, talvez à
beira de uma fuga esquizofrênica da realidade (Dawes,
148). Se não houvessem interpretações padronizadas de
interpretações, as mesmas interpretações de pacientes
poderiam receber dos terapeutas interpretações
igualmente válidas, mas diferentes. Que testes
empíricos foram realizados para demonstrar que alguma
dada interpretação de um borrão seja indicativa de
algum comportamento passado, ou preditiva de algum
comportamento futuro? Em resumo, interpretar um teste de
borrões é tão científico quanto interpretar sonhos.
Para que houvesse alguma esperança de que o teste dos
borrões parecesse ser cientificamente válido, seria
essencial que fosse transformado num teste
não-projetivo. Os borrões não poderiam ser
considerados completamente sem forma, mas teriam uma
resposta padrão com a qual as interpretações dos
pacientes seriam comparadas, como respostas boas ou
ruins. Isso é o que John E. Exner fez. O Sistema de
Exner usa borrões de tinta como um teste padronizado. De
cara, o conceito parece absurdo. Imagine admitir-se uma
pessoa na escola de medicina com base num teste
padronizado como esse! Ou testarem candidatos para a
academia de polícia! ("Eu não entrei porque não
passei no teste dos borrões.")
Os apreciadores do Rorschach precisam reconhecer que
borrões, sonhos, desenhos ou caligrafias podem não ser
estruturalmente diferentes de palavras faladas ou gestos.
Todos são passíveis de receber várias
interpretações, algumas verdadeiras, algumas falsas,
algumas significativas, alguma sem sentido. É uma
presunção improvável que interpretações de sonhos ou
borrões de tinta originem-se de uma fonte profunda no
inconsciente, que queira revelar o eu verdadeiro.
A mente é um labirinto, e é um delírio pensar que os
borrões sejam o fio de Ariadne que conduzirá o
terapeuta ao centro do paciente.
Veja verbetes relacionados sobre apofenia, pareidolia e cartas de tarô.
leitura adicional
Dawes, Robyn M. House of Cards -
Psychology and Psychotherapy Built on Myth, (New York: The Free Press, 1994).
Dineen,
Tana. Manufacturing Victims: What the Psychology
Industry is Doing to People (Montreal: Robert Davies
Multimedia Publishing, 1998).
|